domingo, 26 de setembro de 2010

Alma Gaudéria!



ALMA GAUDÉRIA
Albeni Carmo de Oliveira

Dos tempos que já passaram
Das andanças que eu fazia,
Vivi horas de alegria
Que nunca vou esquecer.
E não é fácil descrever
Os lugares que passai,
Mas de todos lembrarei
Até a hora de morrer.

E talvez após a morte
Fim desta viagem gaudéria,
Minha alma sem matéria
Percorra todo o rincão.
Não vou ser assombração
`'ra não assustar ninguém,
Só quero cuidar, do além
As coisas da tradição.

Quero reencarnar sem maldade
Na mente de um trovador,
Para mostrar o valor
Do poeta não letrado
E fazer verso rimado
Ao som da gaita e violão,
P'ra mostrar que a tradição
Não morre no meu estado.

Assim esta minha alma
Viverá sempre contente,
Bebendo água em vertente
Nas cacimbas lá de fora
E quando romper a Aurora,
Quero andar na invernada
Cantando e dando risada
No tilintar de uma espora.

Quero lá de vez em quando
N'algum fandango chegar.
Ver todo mundo dançar
Com luz fraca de lampião,
E uma gaita de botão
Num xote velho largado
Desses que é sempre tocado
Em surungos de galpão.

Se no final do surungo
Alguém se desentender,
Aí é que quero ver
A destreza do peão
Pois para não ir ao chão
Tem que ser mui destemido,
Quero até ser o tinido
Da folha de algum facão.

Mas não quero ver jamais
Alguém correndo com medo,
Pois aí está o segredo
Da velha raça caudilha,
Eu quero ser a presilha
De um laço bem trançado
Quero ver ser conservado
Os ideais farroupilhas.

Se o bom velho permitir
Que eu reencarne em outro corpo,
Quero servir de conforto
P'ra alguma china manheira,
E voltar lá na mangueira
P'ra montar potro sem freio
Enfim, estar num rodeio
Ou festa de domingueira.

Assim minha alma xucra
Estará sempre presente,
Nas coisas da nossa gente
Guardadas com devoção
E quando por este chão
Surgir algo diferente,
Eu quero surgir na frente
Repontando a tradição.

Tapera...


TAPERA
Jayme Caetano Braun

Vulto heróico das coxilhas,
Testemunha do passado,
Velho tição apagado
Sem vestígios de clarão,
Rancho amigo que a desgraça
Transformou numa carcaça
Perdida na solidão!

Foste um dia, o pouso certo
Dum monarca destes pagos
E a china, cheia de afagos
Mais lindaça da querência,
Hoje, ruína abandonada
Evocas a retirada
De uma raça em decadência!

Não há cuera por mais chucro
Que vendo tanta tristeza
Amortalhando a beleza
Que Deus no pago criou,
Não sinta uma dor cruciante
E algum recuerdo distante
De um tempo que já passou...

E a não ser algum fantasma
Desses que rondam no pago,
Somente algum índio vago
Te procura como abrigo,
A maldição te acompanha
E nesta vasta campanha
Já não te resta um amigo!

E quando a noite as estrelas
Vão fogoneando indecisas
Tapera, tu simbolizas,
Por estas imensidades
Um coração sem carinho
Que bate triste e sozinho
Vivendo só das saudades!

E assim como tu, tapera,
Que um dia foste morada
Hoje, triste abandonada,
Como espectro da querência,
São as ilusões perdidas
Outras taperas caídas
Na campanha da existência!!

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Quero morrer no pago onde nasci



A minha vida é aqui
nesse pago abençoado
nesse solo sagrado
no lugar aonde eu nasci

Por que é aqui que eu sou feliz
Cevando o amargo chimarrão
O meu Rio Grande é meu paíz
Querro morrer neste rincão

A tradição passa de pai pra filho
o Chimarrão passa de mão em mão
possuo ainda sangue caudilho
e meus filhos tambem teram este brasão

Uma vida de fibra e bravura
pelo meu sangue maragato
Serei sempre um guerreiros farrapo
Peleando a liberdade venceu a censura

No Sul pra sempre vou viver
Quero morrer neste pago abençoado
defender o trapo sagrado
morrer na mesma pampa onde eu nasci

encinarei meus filhos a serem honrados
e a cultivar a tradição
e só morrerei descansado
se meus filhos viverem neste mesmo chão

=p Beatriz

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Que diacho! Eu gostava do meu cusco


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Que diacho! Eu gostava do meu cusco
Alcy Cheuiche
gentileza de Daniel Cassol


Entendo. Envelheci entendendo.
Bicho não tem alma, eu sei bem,
mas será que vivente tem?

Que diacho! Eu gostava do meu cusco.
Era uma guaipeca amarelo,
baixinho, de perna torta,
que me seguiu num domingo,
de volta de umas carreira.

Eu andava meio abichornado,
bebendo mais que o costume,
essas coisa de rabicho, de ciúme,
vocês me entendem, ele entendeu.

Passei o dia bebendo
e ele ali no costado
me olhando de atravessado,
esperando por comida.

Nesse tempo era magrinho
que aparecia as costela.
Depois pegou mais estado
mas nunca foi de engordá.

Quando veio meu guisado,
dei quase tudo prá ele.
Um pouco, por pena dele,
e outro, que nesse dia,
só bebida eu engolia
por causa dos pensamento.

Já pela entrada do sol,
ainda pensando na moça
e nas miséria da vida,
toquei de volta prás casa
e vi que o cusco magrinho
vinha troteando pertinho,
com um jeito encabulado.

Volta prá casa, guaipeca!
Ralhei e ralhei com ele.
Parava um puco, fugia,
farejava qualquer coisa,
depois voltava prá mim.
O capataz não gostou,
na estância só tinha galgo,
mas o guaipeca ficou.

Botei o nome de sorro,
as crianças, de brinquinho,
mas o nome que pegou
foi de guaipeca amarelo.

Mas nome não é o que importa.
Bicho não tem alma, eu sei bem.
Mas será que vivente tem?

Ficou seis anos na estância.
Lidava com gado e ovelha
sempre atento e voluntário.
Se um boi ganhava no mato,
o guaipeca só voltava
depois de tirá prá fora.

E nunca mordeu ninguém!
Nem as índia da cozinha
que inticava com ele.
Nem ovelha, nem galinha,
nem quero-quero, avestruz.
Com lagarto, era o primeiro
e mesmo piquininho
corria mais do que um pardo.

E tudo ia tão bem...
Até que um dia azarado
o patrãozinho noivou
e trouxe a noiva prá estância.

Era no mês de janeiro,
os patrão tava na praia,
e veio um mundo de gente,
tudo em roupa diferente,
até colar, home usava,
e as moça meio pelada,
sem sê na hora do banho,
imagino lá no arroio,
o retoço da moçada.

Mas bueno, sou doutro tempo,
das trança e saia rodada,
até aí não tem nada,
que a gente respeita os branco,
olha e finge que não vê.
O pior foi o meu cusco,
que não entendeu, por bicho,
a distância que separa
um guaipeca de peão
da cachorrinha mimosa
da noiva do meu patrão.

Era quase de brinquedo
a cachorrinha da moça.
Baixinha, reboladera,
pêlo comprido e tratado,
andava só na coleira
e tinha medo de tudo,
por qualquer coisa acoava.

Meu cusco perdeu o entono
quando viu a cachorrinha.
E les juro que a bichinha
também gostou do meu baio.
Mas namoro, só de longe
que a cusca era mais cuidada
que touro de exposição.

Mas numa noite de lua,
foi mais forte a natureza.
A cadela tava alçada
e o guaipeca atrás dela
entrou por uma janela
e foi uma gritaria
quando encontraram os dois.

Achei graça na aventura,
até que chegou o mocito,
o filho do meu patrão,
e disse prá o Vitalício
que tinha fama de ruim:
Benefecia o guaipeca
prá que respeite as família!
Parecia até uma filha
que o cusco tinha abusado.

Perdão, le disse, o coitado
não entende dessas coisa.
Deixe qu'eu leve prá o posto
do fundo, com meu cumpadre,
depois que passá o verão.
Capa o cusco, Vitalício!
E tu, pega os teus pertence
e vai buscá teu cavalo.

Me deu uma raiva por dentro
de sê assim despachado
por um piazito mijado
e ainda usando colar.
Mas prometi aqui prá dentro:
mesmo filho do patrão,
no meu cusco ninguém toca.
Pego ele, vou m'embora
e acabou-se a função.

Que diacho! Eu gostava do meu cusco.
Bicho não tem alma, eu sei bem.
Mas será que vivente tem?

Campiei ele no galpão,
nos brete, pelas mangueira
e nada do desgraçado.
No fim, já meio cansado,
peguei o ruano velho
e fui buscá o meu cavalo.

Com o tordilho por diante,
vinha pensando na vida.
Posso entrá numa comparsa,
mesmo no fim das esquila.
Depois ajeito os apero
e busco colocação,
nem que seja de caseiro,
se nã me ajustam de peão.
E levo o cusco comigo
pois foi o único amigo
que nunca negou a mão.

Nisso, ouvi a gritaria
e os ganido do meu cusco
que era um grito de susto,
de medo, um grito de horror.
Toquei a espora no ruano
mas era tarde demais.
Tinham feito a judiaria
e o pobrezinho sangrava,
sangrava de fazê poça
e já chorava fraquinho.

Peguei o cusco no colo
e apertei o coração.
O sangue tava fugindo,
não tinha mais esperança.
O cusco foi se finando
e os meus olho chorando,
chorando como criança.

Que diacho! Eu gostava do meu cusco.
Bicho não tem alma, eu sei bem.
Mas será que vivente tem?
Nessa hora desgraçada
o tal mocito voltou
prá sabê pelo serviço.
Botei o cusco no chão,
passei a mão no facão
e dei uns grito com ele,
com ele e com o Vitalício!

Ele puxô do revólver
mas tava perto demais.
Antes que a bala saísse,
cortei ele prá matá.
Foi assim, bem direitinho.
Não tô aqui prá menti.
É verdade qu'eu fugi
mas depois me apresentei.
Me julgaram e condenaram
mas o pior que assassino,
foi dizerem que o motivo
era pouco prá o que fiz...

Que diacho! Eu gostava do meu cusco.
Bicho não tem alma, eu sei bem.
Mas será que vivente tem?